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Resiliência no século XXI

Esta palavra tem vindo a ser usada com tremenda frequência desde 2020, o ano da pandemia! E, no entanto, como psicóloga clínica, não pude deixar de notar algumas inconsistências entre o senso comum e o que de facto é terapêutico ou transformador.


A definição de resiliência na sua forma mais corriqueira é “a capacidade de recuperar rapidamente de situações difíceis”. Vejo este paradigma com algumas falhas, por exemplo “recuperar rapidamente” implica que seja qual for a situação, por mais dolorosa que seja, temos de recuperar dela o mais rapidamente possível. Evidentemente que não: cada pessoa com as suas feridas precoces, estilos de vinculação e tendências de agir e de sentir particulares, levará o tempo que precisar para digerir “situações difíceis” – que também diferem de pessoa para pessoa! Para A, é mais doloroso perder um animal de estimação que um tio, e para B é mais doloroso mudar de trabalho do que terminar uma relação amorosa.


Resiliência também tem vindo a ser confundida com felicidade. A felicidade muitas vezes é conceptualizada como uma emoção intensa e constante, como quando recebemos aquela visita que tanto esperávamos, ou aquele presente que tanto queríamos. Mas a “felicidade”, em jeitos de satisfação e realização, não é uma emoção intensa. É pelo contrário um estado de alma – menos intenso, mais subjacente. Um estado de abertura, de “dádiva”, e de paz. E este estado é alcançado quando vivemos em função das nossas necessidades pessoais, e tomamos decisões conscientes para satisfazer os nossos objetivos e desejos.

Mas a resiliência, como Robert Leahy (2015), da Terapia dos Esquemas Emocionais conceptualiza (e eu adapto na minha prática), é a característica que nos fez sobreviver e evoluir até ao ser humano que vive na sociedade que conhecemos hoje. Outrora testemunhamos diariamente morte, fome, violações, mutilações, ataques de predadores. Hoje na nossa sociedade muitíssimo mais organizada e legislada, em que as nossas necessidades básicas (comer, beber, dormir, estar em segurança) são mais facilmente satisfeitas, as “situações difíceis” mudam – naturalmente ainda acontecem. Hoje estamos preocupados com relações familiares, de amizade ou amorosas satisfatórias. Estamos preocupados com um trabalho que nos realize e que tenha impacto. Já não lidamos com morte ou dor como algo banal, e ainda bem…! Mas esquecemo-nos da ideia de que a vida é dura. Não há forma de controlar todos os acontecimentos, e as dificuldades levam-nos a sentir dor e desilusão. Muitas vezes teremos de decidir por um trabalho péssimo em detrimento de viver debaixo da ponte. Muitas vezes teremos de lidar com a rejeição do nosso amado, ou com as “imperfeições” do nosso corpo. Aceitar o caráter aleatório – em vez de injusto – da vida, é crucial para vivermos uma vida plena. É evidente que não desvirtuo o impacto e recuperação de um trauma complexo, situação que não incluo nesta definição de resiliência.


Sermos resilientes, não é sermos felizes incondicionalmente, sem nunca sentir dor. Não é concretizarmos absolutamente todos os nossos desejos e necessidades. Não é vivermos uma vida sem obstáculos no caminho. Não é só “ver o lado positivo da vida”. E também não é “tolerar” desconforto como se fossemos um trator.


A resiliência é então a capacidade de sermos flexíveis face aos acontecimentos da vida. De escolhermos caminhos que, podendo não ser exatamente aquilo que nos levaria ao Nirvana, é o mais congruente com os nossos objetivos, valores e necessidades. É aceitarmos que às vezes as dificuldades da vida não têm necessariamente um lado positivo – dói mesmo e temos de processar a dor: perceber o que perdemos e como podemos transformar a nossa vida à volta da perda – se é que podemos! E cada passo a seu tempo, sem pressa, e sem positivismo irrealista.

Gostaria de partilhar aqueles que considero os meus mantras, tanto terapêuticos como pessoais. Muni-me da Terapia dos Sistemas Internos de Richard Schwartz (2001), apesar de os usar de uma forma diferente que a teoria original. Eles são as qualidades que te orientam para uma vida o mais satisfatória e adaptada possível. São a calma, pois dá-te espaço – para pensar, sentir e ser; confiança, para acederes à tua vida interna; conexão, com essa tua vida, com o Mundo e com os outros; curiosidade, sem julgamento; clarividência, sobre o que és, o que queres e precisas; compaixão, por ti e pelos outros pois não sabias (sabiam) fazer melhor; coragem, para evoluir todos os dias; e criatividade, para te dares o que precisas, transforares-te, curares-te e assumires novos papéis no Sistema.


Se não estás disponível para fazer uma psicoterapia – e aceder à tua vida interna mais estrutural –, experimenta expressar a dor pela arte. Sempre se disse que “a melhor arte vem da maior dor”. Canta, cozinha, pinta, escreve, dança, fotografa (entre milhares de alternativas)! Escolhe usar a energia da dor para criar e dar ao Mundo. Em vez de a usar para te destruíres em culpa, raiva, ou medicação psiquiátrica……. Transforma-te no processo.


 
 
 

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