Egoísmo
- Sara Neves
- 25 de jul. de 2023
- 3 min de leitura
Hoje venho falar-vos sobre egoísmo, porque tem aparecido muito no consultório ultimamente, uma determinada pessoa lutar com a sensação de ser egoísta por não querer/poder ajudar uma pessoa amada.
Em consulta aparece assim: Dra estou extremamente exausto e ansioso. Não estou a saber lidar com a situação da minha namorada. Ela está muito deprimida, já se tentou suicidar várias vezes e fui eu que a encontrei. Não tem mais ninguém, a família não quer saber dela, os amigos já estão fartos de lidar com ela. E eu por um lado quero cuidar dela porque gostamos muito um do outro, mas por outro, há dias em que só quero mandar tudo ao ar… toda a gente me diz que devia acabar a relação e viver a minha vida, mas não é justo eu abandonar uma pessoa que precisa tanto de mim. Eu sei que é egoísta pensar isto..
É curioso que muitas vezes a queixa não é tão clara: queixam-se de cansaço ou depressão, mas a associação com estas circunstancias não é imediata. Vês-bem o cansaço claro, depois explora-se o medo, – de não ser capaz de cuidar daquela pessoa como precisa –, depois a zanga – de em momentos se dar conta que não quer ter aquele fardo, e depois então, a culpa – pois sente que estará a ser egoísta, e que deixar ir aquela pessoa extremamente carenciada que precisa tanto de apoio é um ato narcísico.
Aproveito para salientar que em momento algum nos meus vídeos ou crónicos vou adotar uma postura culpabilizante. Todos temos feridas e padrões desenvolvidos que se manifestam de forma automática. Estou a focar uma das partes da díade, considerando que estamos a fazer terapia com um indivíduo e não com o casal. Não culpabilizando a outra parte, já que as dificuldades no casal são sempre retroalimentadas.
Voltando ao meu paciente, eu olho para realidade dele, para o sofrimento dele. E enquanto o conflito dele é perfeitamente legítimo, sobre se continua a cuidar da namorada ou se deve romper o namoro porque se sente sobrecarregado, parece-me que a grande questão é que necessidades devem ser cuidadas: as dele ou as dela?
A tomada de decisão não é preto ou branco, como devem calcular há vários tons de cinzento: desde “cedências”, transformações ou adaptações de ambas as partes para que ambos encontrem um equilíbrio a nível individual e a nível do casal. Até porque, a angústia e sofrimento pode também advir de uma capacidade imatura de regulação emocional, ou quem sabe ser um trigger de uma situação traumática passada!
As ideias chave para tomar este tipo de decisões deve assentar numa congruência com os próprios valores, objetivos e necessidades. Será possível continuar a cuidar desta pessoa satisfazendo assim o valor de altruísmo? Ao mesmo tempo que se garante a necessidade de descanso, e sensação de apoio recíproco?
Nunca me irão ouvir aconselhar (até porque um psicólogo não aconselha!!) um paciente a romper uma qualquer relação, seja ela amorosa, familiar ou de amizade. Acredito que essa é uma medida extrema, e antes disso há muita dinâmica individual ou da díade transformar.
Voltando ao ponto fulcral do vídeo: não se trata de egoísmo. Trata-se de congruência com valores, objetivos e necessidades. Às vezes temos de optar por concretizar e satisfazer as nossas, ao invés das dos outros, porque não o fazer significa trazer para nós mais sofrimento do que aquele que é possível regular.

Comments